A Feira do Livro de Lisboa, uma história breve

Pasquins de comes e bebes, artistas de variedades, teatro de revista com títulos jocosos, barracas de tiro, saltimbancos, praça de touro em miniatura… e mais comes e bebes. Tascas, petiscos populares e também farturas, elemento verdadeiramente perene. E artistas que ficariam para a posteridade como Maria Vitória, prematuramente desaparecida. Em 1906, adicionava-se um Mercado dos Livros à Feira de Agosto de Lisboa, certame que agregava muitas atividades de entretenimento e ao qual se juntava pela primeira vez o incentivo à leitura, num país com uma taxa de analfabetismo muito elevada e um setor editorial e livreiro muito frágil. Tudo acontecia ao fundo do Parque Eduardo VII, com os livros a ocuparem o espaço livre onde mais tarde se tornaria ícone um certo monumento ao Marquês de Pombal.

Poucos anos depois, a Rotunda seria local chave da insurreição republicana e esta espécie de mercado livreiro acabaria por tornar-se itinerante, sem uma identidade distinta e sem estar associado a um evento e a um calendário fixo. Só mais tarde, e derrotada a Primeira República, assistiríamos à chegada da Semana do Livro, organizada na Praça Dom Pedro IV, mais conhecida como Rossio. Estava-se em maio de 1930 e 17 pavilhões davam corpo ao evento que viria a tornar-se a Feira do Livro de Lisboa, organizada pela primeira vez em maio de 1931, no mesmo local nobre da cidade. À época, defendia-se a realização de algo deste género com a necessidade de se fazer “a propaganda da instrução e da educação pelos livros”; a organização ficaria a cargo da Associação de Classe de Livreiros de Portugal, já com o envolvimento do município de Lisboa, que se mantém até aos dias de hoje.

 

Transições

Desde essa primeira edição, que contou com 19 “barracas de madeira”, houve várias alterações: em termos de localização, de organização, de modelos de funcionamento. Com desentendimentos pelo meio – inclusive uma cisão que levou à criação da União de Editores Portugueses, que rivalizou com a APEL, chegou a implementar cartões de fidelização na Feira – entradas e saídas de editores, falências e fusões, entradas e saídas de palcos e momentos musicais, tascas trocadas por street food. E as constantes farturas, é sempre bom realçá-lo. E até uma pandemia global pelo meio, que obrigou a acertos de calendário, sem que a Feira do Livro deixasse de realizar-se.  À quarta edição, o número de participantes mais do que duplicara (48 em vez de 19) e o entusiamo de organizadores e população leitora foi crescendo. Depois disso, a Feira mudou-se para a Avenida da Liberdade, para regressar ao Rossio em 1957, voltando então à Avenida, artéria ao longo da qual foi mudando de posição: ora colada à Rua das Pretas, ora ao Parque Mayer, numa dança constante até à mudança (para já) definitiva para o Parque Eduardo VII, por altura do 50º aniversário do evento. Apesar das reticências por parte dos editores, a mudança revelar-se-ia um sucesso, com crescimento sustentado desde os anos 1980. Depois disso, assistiu-se a um movimento de concentração e de criação de grandes grupos editoriais, até então inexistentes, que vieram alterar profundamente a oferta e a própria configuração da Feira, com a criação de praças editoriais e a multiplicação de programação própria por parte dos editores, entre sessões de autógrafos, showcases musicais, lançamentos ou horas do conto. Entretanto também se trocaram pavilhões, com novo design e uma lógica mais convidativa para os leitores – era o fim das barracas de madeira – assistindo-se a um reforço constante no número de participantes e no número de visitantes.

 

Dias de hoje

Atualmente, a Feira do Livro de Lisboa é um evento que marca profundamente a agenda cultural da cidade – e o usufruto da mesma pelos seus habitantes e visitantes –, num ambiente descontraído, ao ar livre, com acesso a autores e a uma agenda variada, e uma oferta incomparável de livros a preços de desconto. Por lá podemos encontrar centenas de livros do dia, fundo editorial que muitas vezes já não tem espaço nas livrarias e campanhas especiais como a já clássica Hora H, que desde 2015 oferece descontos de 50% nos editores aderentes, em dias específicos da semana.

Respondendo a necessidades dos visitantes, e procurando ser um evento cómodo para leitores e ajudantes dos 0 aos 99, mesmo que acompanhados de animais de estimação, a Feira do Livro de Lisboa conta hoje com comodidades como um fraldário, um “refrescão” dedicado às feras, uma app com informação sobre a Feira, cortesia da organização, uma oferta eclética de alimentação e mais de 300 pavilhões forrados de livros, cerca de 140 participantes e centenas e chancelas com escolhas para todos os gostos, idades e tamanhos, entre ficção literária, ficção comercial, não ficção, oferta infantojuvenil, novelas gráficas, etc, etc, etc.

Em 2023, a Feira será uma das maiores de sempre, a par da de 2022, voltando ao seu calendário natural. Isto depois de dois anos de restrições e particularidades pandémicas que não caberiam na imaginação do melhor dos ficcionistas. Claro, a Penguin voltará a estar presente com a sua praça, e com uma oferta incomparável. Mas a verdade é que estamos todos com a cabeça nas barraquinhas das farturas.

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