Em Nome do Pai: 10 livros imperdíveis

Existe uma ligação  ancestral entre pais e livros, porque toda a Literatura é sobre nós: as nossas relações, os nossos desejos, as nossas filiações, a nossa parentalidade, a forma como nos relacionamos com os outros, nomeadamente os mais próximos. Telémaco busca notícias sobre Ulisses, seu pai, protagonista por vezes acidental da intemporal Odisseia; Abraão dispõe-se a sacrificar Isaac às ordens de Deus; Édipo cobre Laio de toda a sorte de desventuras, antecipadas por um oráculo.

Nesta época em que damos particular atenção ao Dia do Pai, assinalado todos os anos a 19 de março, fomos respigar alguns laços pai/filho mais  significativos do nosso catálogo, abraçando emoções, incompreensões e questões profundas que nem a melhor escrita resolve. Somos assim, seres em permanente construção.

 

Édouard Louis

Quem Matou o meu Pai | Elsinore

Com voz apaixonada e urgente, Édouard Louis relata o retorno à sua cidade natal e à casa paterna, um local «feio e cinzento» numa das regiões mais pobres de França. É um regresso a uma infância dolorosa, assombrada pela presença de um pai expressão da virilidade mantida pela violência, e pela vergonha de um filho diferente, grácil, efeminado e inteligente; mas, ao mesmo tempo, também a tentativa de uma reconciliação com esse passado e com essa figura paterna, agora fisicamente diminuída, frágil e desamparada, exposta. Uma figura dura, alcoólica, irascível que Édouard nos havia apresentado no seminal Para cabar de Vez com Eddy Bellegueule.

Relato comovente do reencontro possível entre pai e filho, a fazer lembrar a Carta ao Pai de Kafka, Quem Matou o Meu Pai é, simultaneamente, o gesto que procura o perdão e o grito de denúncia de um fosso social que devora a França há décadas, com o dedo apontado aos protagonistas desse poder político, dessa casta privilegiada, verdadeira responsável por condenar a uma morte precoce as classes mais baixas de uma sociedade cada vez mais dividida.

 

Manuel Vilas

Em tudo havia beleza | Alfaguara

Manuel Vilas compõe, com uma voz corajosa, desencantada, poética, o relato íntimo de uma vida e de um país. Simultaneamente filho e pai, autor e narrador, Vilas escava no passado, procurando recompor as peças, lutando para fazer presente quem já não está. Porque os laços com a família, com os que amamos, mesmo que distantes ou ausentes, são o que nos sustém, o que nos define. São esses mesmos laços que nos permitem ver, à distância do tempo, que a beleza está nos mais simples gestos quotidianos, no afeto contido, inconfessado, e até nas palavras não ditas.

Falando desde as entranhas, e numa fase de superação do luto parental, do alcoolismo e do desencanto, Vilas revela a comovente debilidade humana, ao mesmo tempo que ilumina a força única da nossa condição, regressando à equívoca família para ajudar a definir a sua própria identidade. E a nossa.

 

Juan Rulfo

Pedro Páramo | Cavalo de Ferro

«Vim a Comala porque me disseram que vivia aqui o meu pai, um tal Pedro Páramo». Assim arranca a obra-prima de Juan Rulfo, que versa sobre a ancestral demanda pela figura paternal. Um dos livros mais influentes do século XX, nas Palavras de Susan Sontag, Pedro Páramo foi apontado por Gabriel García Márquez – um comprovado especialista em questões de família – como um romance fundamental para a sua própria criação literária. Após a morte da mãe, o protagonista parte então na sua busca, numa jornada envolvente e desconfortável, sedutora e assombrada. Memórias, sonhos, fantasmagorias. E vogando sobre tudo, o progenitor, o soberano, o irresponsável, o seu pai.

 

Jonas Hassen Khemiri

A Cláusula Familiar | Elsinore

Duas vezes por ano, um «pai que também é avô» regressa à Suécia para cuidar dos seus interesses e visitar a filha e o filho, que abandonou. Este avô é uma pessoa difícil, ocasionalmente preconceituosa, constantemente crítica, e a sua visita parece ser mais motivada por questões práticas do que por afeto: um acordo tácito vincula o filho a ocupar-se dele a cada regresso e a manter um apartamento em seu nome, para assim ele poder escapar-se aos impostos no seu país de origem.

Mas agora que este filho se tornou também pai, debatendo-se com o cansaço de uma licença de paternidade, a sua vontade é libertar-se dessa «cláusula familiar». Também a irmã, já mãe e novamente grávida, está a contas com a vida. Serão dez conturbados dias de visita que obrigarão cada um dos membros desta família a enfrentar os fantasmas do passado e as tensões do presente.

Escrito com humor e um olhar atento, A Cláusula Familiar é o retrato divertido, doloroso e verdadeiro das relações familiares nas nossas sociedades modernas e multiétnicas, nas quais um forte desejo de individualismo se conjuga com os valores ancestrais de identidade e pertença.

 

Afonso Cruz

Princípio de Karenina | Companhia das Letras

Um pai que se dirige à filha e lhe conta a sua história, que é a história de ambos, revelando distâncias e aproximando-se por causa disso, numa entrega sincera e emocional. Uma viagem até aos confins do mundo, até ao Vietname e Camboja, até ao território que antigamente se designava como Cochinchina, para encontrar e perceber aquilo que está mais perto de nós, aquilo que nos habita.

Um pai que ergue muros de silêncio, uma mãe que revela as costuras do Mundo, uma criada velhíssima, um amigo que quer ser campeão de luta, uma amante que carrega sabores e perfumes proibidos. São estas algumas das inesquecíveis personagens que rodeiam este homem que se dirige à filha, que testemunham – ou dificultam – essa procura do amor mais incondicional.

 

Juan Gabriel Vásquez

Olhar Para Trás | Alfaguara

Em Outubro de 2016, o realizador de cinema colombiano Sergio Cabrera assiste, em Barcelona, a uma retrospectiva dos seus filmes. É um acto público de celebração atravessado por um momento íntimo de dor: o seu pai, Fausto Cabrera, acaba de morrer, o seu casamento com uma mulher portuguesa está em crise, e o seu país recusou um acordo de paz que lhe permitiria pôr fim a mais de cinquenta anos de guerra.

A morte do pai é o fim de um ciclo, é o desfecho irremediável de uma relação marcada por silêncios e mágoas tingidos de amor e fascínio. E é o pretexto para Sergio ir desfiando as recordações dos acontecimentos que marcaram a sua vida e a do seu pai. E «não era uma vida qualquer, há que dizê-lo.» Da guerra civil espanhola ao exílio na América Latina, da Revolução Cultural na China aos movimentos armados dos anos sessenta, o leitor assiste ao desfile de uma vida que é muito mais do que uma grande aventura: é a imagem de meio século de história que abalou o mundo inteiro.

 

Blake Crouch

Falsas Memórias | Suma de Letras

A realidade é feita de memórias. É nisso que acredita Barry Sutton, um inspetor da Polícia de Nova Iorque que se encontra a investigar um fenómeno invulgar chamado Síndrome das Falsas Memórias — uma misteriosa doença que enlouquece as suas vítimas com recordações de uma vida que nunca viveram. Também Helena Smith acredita nisso. Como neurocientista, tem dedicado a sua vida à criação de uma tecnologia que nos permita preservar as memórias mais preciosas. Se for bem-sucedida, qualquer pessoa poderia revisitar o primeiro beijo, o nascimento de um filho ou o último momento de um ente querido.

Porém, à medida que a realidade começa a fraturar-se, Barry e Helena percebem que talvez exista algo mais sinistro do que a doença a ameaçar o mundo tal como o conhecem — algo que não ataca somente as memórias, mas o próprio passado. Passado que o pai Barry Sutton tem interesse em recuperar.

 

Daniel Mendelsohn

Uma Odisseia: Um Pai, um Filho e uma Epopeia | Elsinore

Quando Jay Mendelsohn, com a idade de 81 anos, decide inscrever-se no seminário para estudantes pré-universitários sobre a Odisseia que o seu filho Daniel leciona na Bard College, tem início uma viagem profundamente emotiva que os levará não só às raízes da literatura ocidental como às da sua própria vida. Para Jay, homem da ciência, este regresso à escola representará um desafio intelectual. Para Daniel, será a derradeira oportunidade de recuperar o tempo perdido e, finalmente, colmatar a distância que sempre existiu entre os dois. Nos intensos meses em que exploram a obra de Homero, dentro e fora da sala de aulas, fundindo memórias com ficção, torna-se claro que ambos, pai e filho, têm muito a aprender um sobre o outro e sobre si próprios.

 

Catarina Araújo + Irena Freitas

Pai, Posso Perguntar Uma Coisa? | Lilliput

Pai, se eu tivesse uma cauda de peixe ainda gostavas de mim?

E se eu tivesse oito pernas longas e cheias de pelos, como as aranhas? Este é um livro cheio de perguntas bizarras, fruto da imaginação MUITO fértil da Maria. As respostas do pai às perguntas surpreendentes da Maria conseguem ser AINDA mais surreais. Um livro enternecedor, divertido e criativo que brinca com o dia a dia e as rotinas diárias dos mais pequenos. É também uma homenagem aos laços familiares e à importância destes, sem a carga dramática de uma epopeia grega.

 

Alexandre Esgaio

D.A.D. | Suma de Letras

Um pai, duas filhas. Uma casa para arrumar, roupa para lavar, comida para fazer, crianças para ir buscar à escola, birras, quedas, caos, alegria, humor e amor. Assim são os desenhos de Alexandre Esgaio, umas vezes amorosos, outras hilariantes, misturados com referências a grandes nomes da arte, pequenas homenagens espalhadas ao longo do livro e que nos apanham de surpresa.

Nota: contém Edward Hopper, Fundação Gulbenkian e dragões.

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