Quarentena – Uma história de amor

Plano Nacional de Leitura

Literatura – Maiores de 18 anos

Um casal, decidido a separar-se e de malas feitas, é obrigado pelas autoridades de saúde a uma quarentena. O seu apartamento transforma-se numa arena de proximidade física e distâncias calculadas, onde os restos da vida amorosa e o trautear televisivo de uma pandemia mudam o mundo por dentro e por fora. Ali, sob o regime forçado de uma intimidade perdida, percebemos como, entre antigos amantes, vizinhos e desconhecidos, a saudade das multidões e dos sentimentos sempre estiveram à altura de nos resgatar do peso do presente.

«Mariana diz que quer construir um muro aqui. Preparamo-nos para habitar uma cidade de desconhecidos, não era o que eu desejava nesta geografia. A nossa casa deforma-se entre ruínas. Já fomos tão parecidos que podíamos ser invisíveis. Já fomos diferentes, eu via Mariana no escuro. Éramos os dois uma cor, não me lembro da cor, éramos duas cores. Não me lembro das duas cores. Fomos as duas metades do melhor de dois mundos. Depois conto-vos.

– Nós os dois. Qual é a primeira coisa de que te lembras?

– Não quero lembrar-me da primeira coisa de que me lembro. Mas foi bom.

Aviso: fiquem em casa e respeitem a distância social. Famílias, sejam sociais, salvem o mundo. Pratiquem o exercício da distância.

«Mariana e eu já fomos orgulhosamente nós, orgulhosamente sós, éramos um povo a dois, humilde e lutador, um povo capaz de atos íntimos grandiosos. Um povo frágil, discreto e seguro, feito da mesma fibra dos médicos e dos enfermeiros, dos professores e dos funcionários dos supermercados, feito da fibra de pais e padeiros, psicólogos até. O único fim digno para um grande amor é um acidente.»