Mélissa Da Costa: «O início de Todos os amanhãs foi escrito ao som de violinos e piano, músicas que me faziam chorar»

350 páginas publicadas numa plataforma online em 2018 deram início a uma ascensão relâmpago que se traduz em dois milhões de livros vendidos e um lugar no top 3 dos autores mais lidos em França.

Mas há mais números impressionantes: Mélissa Da Costa tem apenas 32 anos, acaba de editar o sexto romance e é a escritora (mulher) que mais vendeu em 2022 no mercado francês. À sua frente tem apenas dois nomes que dominam a área há anos: Guillaume Musso e Joël Dicker. Além disso, o detalhe mais inacreditável é que Tout le bleu du ciel, o seu primeiro livro – aquele que autopublicou online e acabaria por lhe dar prémios importantes e reconhecimento –, não lhe rendeu um único cêntimo quando chegou às livrarias pela primeira vez, no início de 2019. A editora responsável pela obra faliu e nunca pagou direitos de autor.

Entrou então em campo uma reconhecida editora francesa, a Albin Michel, que deu à história uma edição de bolso. Ao mesmo tempo publicou Todos os amanhãs, que chega agora a Portugal com edição Suma de Letras, e o nome Mélissa Da Costa começou a espalhar-se à velocidade da luz.

A propósito da versão portuguesa de Todos os amanhãs – uma história de luto e reconciliação com a vida –, disponível online e em todas as livrarias, a Penguin Magazine falou com a autora sobre um depoimento que a tocou profundamente por ter muitos pontos em comum com a narrativa (há spoilers sobre algumas personagens mais à frente), o percurso até aqui e as suas raízes portuguesas, herdadas do pai, que nasceu na zona de Braga.

 

Todos os amanhãs é o seu segundo livro, mas o primeiro editado em Portugal. Como é que nasceu esta história?

A ideia nasceu na Tailândia, nada a ver com Auvergne, como poderíamos pensar por causa da história. Estava em viagem, no norte do país, em plena festa religiosa lá. Era uma festa de luzes, havia locais e turistas do mundo inteiro. Havia papagaios no céu e jangadas de flores nos rios, velas por todo o lado, fitas de muitas cores. Houve uma coisa que me atingiu. Pensei: somos milhares aqui, com línguas diferentes, religiões diferentes, mas estamos todos unidos pelo mesmo fascínio. Há algo de universal no facto de celebrar a vida. Foi a partir daí que comecei a imaginar uma casa isolada, com um jardim, um sítio longe do resto do mundo e onde alguém se recataria para tratar a pior das tristezas para depois celebrar a luz, as flores e voltar à vida. Foi nessa noite que nasceu.

 

Como é que se escreve uma história de tristeza profunda e de luto?

Nunca vivi nada parecido, portanto não fui buscar isso à minha vida. Usei muito a música, violinos, piano, temas que puxavam por emoções dolorosas. Aquelas canções que basta ouvirmos para começarmos a sentir uma data de coisas que mexem connosco.

 

Ouvia música ao mesmo tempo que escrevia?

Exatamente. O início do romance, que é muito comovente e lancinante, foi escrito ao som de músicas que me faziam chorar. Fazemos um corte com a nossa vida e com o resto do mundo e metemo-nos na pele da personagem. Consigo esquecer tudo o resto e estou naquela casa, sinto aquela dor. Tendo sensibilidade e empatia conseguimos aproximar-nos dessa dor, apesar de nunca sabermos realmente como é.

 

Vive no campo agora?

Vivo nos arredores de Paris, mas cresci no campo. O jardim e os calendários da senhora Hugues são o reflexo da minha avó, que tem um jardim imenso e muitas anotações.

 

Essa imagem da senhora Hugues, foi buscá-la à sua infância então.

Sim, é a minha avó a 100%. Os calendários cheios de anotações, as grandes agendas da igreja repletas de receitas de compotas e o amor ao jardim e às flores.

 

No top 10 dos autores mais vendidos em 2022 em França, ficou em terceiro lugar. O que é que isso representa? Ainda é surreal?

É um pouco, sim. Não penso tanto no número, mas sim no facto de aquilo que escrevo poder ser universal para chegar a tanta gente. As emoções, os dramas, a reconstrução, houve muita gente que se identificou e precisou destas histórias para se reerguer.

 

Calculo que lhe cheguem histórias de muitas pessoas tocadas pelos seus livros e pelas personagens. Houve alguma que a tenha marcado mais?

Recebo muitas histórias por email, correio e também nas sessões de autógrafos. Houve uma que me marcou particularmente. Eu dedico Todos os amanhãs à Florence, ao Mehdi e à oliveira sagrada deles. O meu primeiro romance tinha sido publicado [Tout le bleu du ciel, que é também uma história de luto] e houve uma senhora que me escreveu a dizer que tinha perdido o filho há 127 dias – continuava a fazer a contagem – e dizia: “Pela primeira vez sinto-me bem, é graças ao seu livro”. Começamos a comunicar através de email e ela contou-me a história do filho, o Mehdi, que partiu aos 32 anos, que era educador de jovens numa MJC [uma espécie de ATL] e tinha um irmão chamado Yannick. Eu disse: espere, acabei de escrever uma história chamada Todos os amanhãs e o Benjamin morre de mota aos 32 anos. Havia pontos em comum incríveis. Ele também era animador de crianças numa MJC, o irmão não se chamava Yannick mas era Yann. Havia muitas parecenças. Falei-lhe do pão sagrado através do qual a Amande decide falar ao Benjamin e ela disse-me que tinha plantado uma oliveira e era aí que falava com o filho. Sem saber, parecia que tinha contado um pouco da história dela e por isso decidi dedicar-lhe o livro. Ela não sabia e, quando foi à sessão de autógrafos, na cidade dela, abriu o livro e caiu nos meus braços em lágrimas. Eu também me pus a chorar. Há outras histórias, mas esta é muito marcante.

 

O seu percurso para chegar aos autores mais vendidos foi rápido. Publicou o seu primeiro romance, online, em 2018. Foi simplesmente uma experiência na altura?

Os meus próximos tinham lido o livro e havia interesse. Quando fiz o upload na plataforma de autopublicação ainda não o tinha acabado, coloquei apenas a primeira parte da história. O meu companheiro estava a lê-lo à medida que eu escrevia, alguns próximos diziam-me que era apaixonante, mas eu achava que talvez fosse para me agradarem, não eram muito objetivos. Queria palpar o terreno e coloquei 350 páginas em monbestseller.com. Pensei que, se não houvesse críticas positivas, terminaria o livro na mesma mas ficaria arrumado, não seria um drama. Mas, imediatamente, começaram a surgir elogios.

 

E nessa altura foi contactada por uma editora?

Recebi um email da pessoa que tinha criado a plataforma, que me disse que tinha enviado o texto a um amigo editor, porque correspondia exatamente àquilo que ele procurava. Esse senhor telefonou-me nessa noite. Eu estava na Nova Zelândia para uma viagem de um ano, por isso não podíamos encontrar-nos, mas estivemos a falar durante mais de uma hora. Ele enviou-me um contrato, que assinámos à distância. Eu regressava no final de 2018 e decidimos que o livro seria publicado no início do ano seguinte. Quando nos conhecemos, ele já tinha uma cópia do meu livro. Até aí, nunca nos tínhamos visto.

 

Quando é que percebeu que podia fazer vida como escritora. Na altura trabalhava em comunicação, certo?

Sim, trabalhava no departamento de comunicação de uma câmara municipal. Tout le bleu du ciel foi publicado, teve algum sucesso, mas infelizmente a editora faliu e eu nunca recebi direitos de autor. Não era uma batalha ganha à partida. Entretanto fui contactada pela Albin Michel [reconhecida editora francesa], que descobriu Todos os amanhãs e quis publicá-lo. Publicaram esse e o Tout le bleu du ciel começou a ter mais sucesso na edição de bolso, que é muito importante e tem muito impacto em França, e foi o sucesso da edição de bolso que me fez pensar que talvez pudesse viver da escrita. Estava a chegar ao fim do meu contrato quando o livro começou a vender-se muito, ganhei prémios relativamente importantes, estava grávida e pensei que ia aproveitar a minha gravidez e no final dos nove meses logo pensaria no que fazer a seguir. Passado esse tempo, o sucesso continuava e nunca voltei ao trabalho. Estávamos em 2020.

 

Passados três anos, está no top 3 e é a escritora mais vendida.

Sim, foi muito rápido. É um pouco surreal ainda.

 

Da Costa é um nome português. Fale-nos um pouco das suas origens.

O meu pai é português e mudou-se para França com os pais e os irmãos. Ele tinha seis meses, era muito pequeno. Entretanto, os meus avós regressaram a Portugal quando se reformaram e vivem na zona de Braga. Os filhos têm todas as raízes em França. Tenho pena de não ter aprendido a língua e mais sobre a cultura portuguesa.

 

Pode ser que o sucesso de Todos os amanhãs altere essa realidade.

Talvez, seria muito bom sinal.

 

Tem algum dos livros a ser adaptado para televisão ou cinema?

Tout le bleu du ciel vai ser adaptado a filme para a TF1

[o canal francês mais conhecido]

e de La doublure vendemos os direitos para uma minissérie, é muito recente, o contrato tem um mês. E para Les femmes du bout du monde estamos num processo idêntico, quase a assinar para a adaptação para cinema.

 

Quer estar envolvida nessas adaptações?

Aqui, em França, não estamos muito implicados no processo, enquanto autores. Falamos com os produtores para ver se estamos alinhados na visão da história mas, a partir do momento em que cedemos os direitos, temos de os deixar trabalhar.

 

É difícil? É como o desapego de um filho?

Nem por isso. Os produtores que conheci tinham uma visão muito parecida com a minha, em relação a Tout le bleu du ciel confio. Além disso, não conseguimos fazer tudo e estar em todo o lado. É a profissão deles, temos de acreditar.

 

Faz uma pausa entre livros ou termina um e começa logo a escrever outro?

Publiquei um [Les femmes du bout du monde] no início de março, por isso estou em pausa neste momento. Demoro seis ou sete meses a escrever um romance. São meses muito intensos, portanto depois paro durante três ou quatro meses.

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