Viet Thanh Nguyen: o lugar do Outro na Literatura

Gente afastada do seu lugar de origem. Gente obrigada a viver uma outra vida. Refugiados, deslocados, expatriados. Gente que vive em mais do que uma pele. Que vive na ambiguidade. Esta é a massa humana sobre a qual o autor americano Viet Thanh Nguyen mais escreve, mais trabalha, e é sobre ela que vem falar à FLAD neste mês de maio. Tudo acontece em mais uma sessão Meet The Author, organizada pela Fundação Luso-Americana Para o Desenvolvimento.

Viet é professor de Estudos Americanos e Etnicidade e professor catedrático de Inglês na University of Southern California, nos EUA, e o seu romance O Simpatizante (ed. Elsinore, 2017) ganhou o Prémio Pulitzer para Ficção, tendo sido agraciado com outros galardões, como o Dayton Literary Peace Prize, o Edgar Award para Melhor Primeiro Romance, a Medalha Andrew Carnegie de Excelência na Ficção ou o Asian/Pacific American Literature Award. O autor é natural de Ban Mê Thuột, Vietname, hoje conhecida como Buôn Mê Thuột – depois de 1975, ano em que terminou a guerra com a vitória do norte e a retirada americana, muitas coisas mudaram, até na toponímia dos lugares. Filho de uma família de refugiados que partiram para os Estados Unidos, Viet ficou a viver num campo de acolhimento até se mudar com a família para Harrisburg, Pensilvânia. Foi a primeira de muitas mudanças. Ou seja, podemos fizer que Viet podia ser protagonista dos seus próprios livros. E se?

 

Recomeçar

Os pais de Viet levaram-no para San Jose, Califórnia, lugar onde iriam verdadeiramente recomeçar. Viver uma segunda vida. E foi no estado do sol, surf e laranjas que fez todo o seu percurso escolar, muito antes do boom das tecnológicas, formando-se em Inglês e Estudos Étnicos na conceituada Berkeley. Hoje continua a viver e a dar aulas na mesma geografia, voltando regularmente ao Vietname na sua ficção. É lá que estão as suas raízes; é lá que está a sua razão de ser literária, que arrancou de forma fulgurante com O Simpatizante. Nesse livro de estreia, estamos em abril de 1975, o tal ano chave: Saigão está mergulhada no caos. Na sua villa, um general do exército do Vietname do Sul bebe whisky e, com a ajuda do seu capitão de confiança, elabora uma lista com os nomes daqueles que têm permissão para apanhar os últimos voos de saída do país. Começando uma nova vida em Los Angeles, o general e os seus compatriotas desconhecem que, entre eles, existe um espião que reporta as suas atividades às instâncias superiores de comando no Viet Cong. O Simpatizante conta a história desse espião, desse capitão: um homem criado por um pai francês ausente e por uma mãe vietnamita pobre, um homem que foi para a universidade nos EUA, e que regressou ao Vietname para lutar pela causa comunista. Na melhor tradição dos romances de espionagem, encontra-se nestas páginas a exploração de uma vida entre dois mundos, entre a amizade e a crença política, a lealdade e a identidade, temas que serão recorrentes na obra de Viet Thanh Nguyen. Como se vive noutra pele?

 

Meet The Author

Na FLAD temos tido oportunidade de conhecer melhores escritores americanos contemporâneos, sempre entrevistados pela jornalista Isabel Lucas. Desta vez, estará em Lisboa o autor de O Simpatizante, mas também de O Comprometido, sequela do seu empolgante romance de estreia, e de Refugiados, volume de contos onde dá voz àqueles que, por fuga ou ilusão, vivem entre dois mundos. No dia 17 de maio, às 18:30, estará no centro das atenções um autor que cresceu num país diferente, com memórias construídas do lugar onde nasceu. Memórias, essas, em parte construídas pelas indústrias culturais americanas e pela leitura que estas fazem do Vietname, circunstância analisada na escrita de Viet. Vejamos, trata-se de um país que é também um trauma e um estado de alma. Uma metáfora, mas igualmente uma experiência real, dura. Hoje, Viet transporta o seu percurso de vida para a escrita de ficção e para a atividade enquanto docente na University of Southern California, lugar onde trata as questões da memória, da guerra, da identidade ou do racismo. Nesse ângulo particular, é autor de dois livros de não ficção (Nothing Ever Dies: Vietnam and the Memory of War, e Race and Resistance: Literature and Politics in Asian America, inéditos em português), trabalhando e retrabalhando assim estas matérias de grande complexidade, cada vez mais presentes no espaço público, na agenda mediática e nas preocupações das pessoas. E, por consequência, dos leitores.

A título de curiosidade, resta-nos referir que O Simpatizante inspirou uma série de televisão, com produção de Robert Downey Jr, que estreará muito em breve na plataforma HBO. Mais zeitgeist, impossível.

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