O que é meu: uma carta aos leitores portugueses

Durante 50 anos, Seu Didi foi camionista e percorreu as estradas do Brasil. O país transformou-se, o mundo mudou, Didi adoeceu. Este livro conta a sua história. Uma narrativa íntima, de rara sensibilidade literária, que apresenta José Henrique Bortoluci como uma voz fulgurante da literatura em língua portuguesa.

Aqui, o autor escreve uma carta aos leitores portugueses, que agora têm oportunidade de conhecê-lo.

 

Caras leitoras, caros leitores,

 

“O que é meu” nasceu de uma inquietação intelectual e de um desejo íntimo. A inquietação: era possível narrar a história de uma sociedade a partir da trajetória de um “homem comum”? O desejo: descobrir novas possibilidades para minha escrita, num novo caminho pessoal que combinasse ficção e não-ficção, literatura e sociologia, análise e emoção.

Aquele homem comum era meu pai. José, seu nome; Didi, seu apelido. Caminhoneiro por cinco décadas, foi parte de uma geração de trabalhadores que viveu as aventuras mais épicas na construção de estradas, portos, aeroportos, num período em que a infraestrutura do país se expandia, mas seus horizontes políticos eram terrivelmente estreitos. Eram os anos da ditadura militar, da tortura, da degradação ambiental, da ampliação da pobreza e da desigualdade, da expansão frenética das periferias urbanas empobrecidas. Meu pai, trabalhador pobre de uma família de imigrantes italianos do estado de São Paulo, atravessou o país e viveu de corpo e alma as promessas, mas sobretudo as chagas trazidas por essas ilusões ocas de progresso.

Quando ao desejo de uma outra escrita, ele ganhou novas dimensões pelas circunstâncias imprevisíveis em que escrevi o livro: logo antes de iniciar uma longa série de entrevistas com meu pai que dariam base à escrita, ele foi diagnosticado com um complicado câncer de intestino. Isso nos levou a uma nova fase da vida, em que o livro passou a ser um tecido em que bordamos as terríveis dificuldades e as belezas insuspeitas do cotidiano.

“O que é meu” é o resultado desse bordado, que agora chega às mãos e aos olhos atentos dos leitores portugueses.

 

José Henrique Bortoluci

 

5 de março de 2024.

15,71 

O que é meu

Partilhar:
Outros artigos: