Olá, Linda: uma autora e o seu fenómeno literário

«Luminoso e magistralmente escrito», segundo o The New York Times. «Ann Napolitano narra os altos e baixos da vida com uma precisão dolorosa e obriga-nos a contemplar a complexa tapeçaria do amor familiar que, apesar da dor e da perda, pode voltar a unir-nos», segundo o The Washington Post.

Sabemos que por vezes a imprensa pode ser hiperbólica em relação a fenómenos editoriais que arrebatam a atenção do espaço público e dos leitores, mas os encómios dirigidos a Olá, Linda, de Ann Napolitano, podem ser encarados sem reservas.

 

A Trama

William Waters cresceu numa casa silenciada pela tragédia, na qual os seus pais mal conseguiam olhar para ele, muito menos amá-lo; mas quando conhece a vivaz e ambiciosa Julia Padavano, é como se o seu mundo se iluminasse. E com Julia vem a sua família, pois ela e as três irmãs são inseparáveis: Sylvie, a sonhadora, é feliz com o nariz enfiado nos livros; Cecelia é um espírito livre, apaixonado pelas artes; Emeline cuida pacientemente de todos eles. Com os Padavanos, William experimenta um novo sentimento: ter um lar, pois cada momento naquela casa é repleto de caos amoroso. É então que a escuridão do passado de William vem à tona, colocando em risco não apenas os planos cuidadosamente pensados por Julia para o futuro de ambos, mas também a inexorável devoção das irmãs umas pelas outras. O resultado é uma desavença familiar catastrófica que muda irremediavelmente as suas vidas.

Ao longo deste livro, que tem sido relacionado com o clássico Mulherzinhas, de Louisa May Alcott, – citado, aliás, na história criada por Napolitano – acompanhamos as vidas destes cinco protagonistas e das suas relações familiares ao longo de várias décadas, misturando drama e erros, felicidade e desilusões, erros e perdão. Assumidamente emocional, e trabalhado de forma muito cuidada em termos narrativos, este Olá, Linda põe das personagens cara a cara com o fracasso (vejam-se as passagens sobre a carreira desportiva de William no basquetebol)  e com a devastação interior, num lugar – os EUA – onde a propalada meritocracia e o sucesso são incensados a toda a hora. Nesse sentido acaba por ser um romance sobre todos nós e, também, sobre uma outra América que não se põe em bicos dos pés.

 

A Autora

Ann Napolitano já tinha publicado um bestseller – Dear Edward (inédito em português) – e este Olá, Linda veio consolidar a presença desta autora no lote de nomes a ter em conta nas letras americanas contemporâneas. O seu percurso nesta área vem desde cedo, uma vez que quis ser escritora desde muito cedo, e a arte de narrar acabou por ser para si uma espécie de terapêutica, acabando por formar a sua personalidade e por ajudá-la a superar o negrume com que também gosta de confrontar as suas personagens. Os tempos iniciais do seu percurso foram de frustração, tendo sido rejeitada por 80 agentes literários e dezenas de editoras. Escreveu dois livros que foram largamente ignorados e sofreu pressões familiares no sentido de arranjar uma profissão a sério. Testes psicotécnicos apontavam-lhe uma carreira como guarda florestal. Atravessou períodos de depressão e de dificuldades económicas, chegando a estar privada de seguro de saúde, um indicador de fragilidade máxima numa sociedade sem assistência médica universal. Depois de ter trabalhado no ensino e como secretária pessoal, além de editora numa revista literária, e tendo passado anos a escrever de forma intermitente entre trabalhos, surgiu o primeiro volte-face no seu percurso: o já referido Dear Edward, a história de um rapaz que perde toda a família num desastre de avião, foi arrematado num leilão e tornar-se-ia num inesperado sucesso de vendas, vindo mais tarde a ser adaptado a série pela Apple TV. Para trás, tinham, ficado oito anos de criação do manuscrito, nos intervalos da vida de todos os dias. Com o valor recebido no leilão, Ann Napolitano comprou uma cama nova. Ainda dormia na que tinha herdado dos pais. Tinha 46 anos.

Depois do sucesso alcançado com o terceiro livro, Ann Napolitano publicou Olá, Linda, título que haveria de levar a um telefonema de Oprah Winfrey. Responsável pelo clube de leitura mais influente do mundo, Oprah catapultou definitivamente Napolitano para uma posição de estrelato editorial, transformando de vez a sua vida. Com um sentido de auto depreciação  aguçado, Ann revelou ter recebido a chamada de Oprah enquanto levava o lixo à rua, tendo ficada agarrada ao saco durante todo o tempo de duração do telefonema, receando que a chamada (e a oportunidade) caísse. O que não aconteceu. A carreira literária de Ann está mais do que consolidada, naquele que é um corolário do envolvimento que sentia desde que era jovem leitora: «Houve um momento de solidão, quando era jovem, que me fez reler Mulherzinhas, e essa mesma solidão levou-me à porta de Leah (sua amiga de infância), à cozinha barulhenta da sua família, cheia de histórias antigas e gargalhadas. A companhia daquelas irmãs, tanto reais como fictícias, encheu-me de prazer e conforto.» Depois, foi necessário esperar algumas dezenas de anos até pôr essa experiência romanceada no papel. Ainda foi a tempo.

 

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