A vez delas: a nova vaga de escritoras portuguesas

Filipa Fonseca Silva, Gabriela Relvas, Helena Magalhães, Madalena Sá Fernandes, Mafalda Santos, Maria Isaac e M. G. Ferrey têm histórias que não acabam e muito para dizer sobre a literatura no feminino.

 

Jane Austen, Virginia Woolf, Florbela Espanca. Mulheres, escritoras, nomes que se destacaram numa época e numa área em que as palavras “mulher” e “escritora” não faziam muito sentido juntas. Ou, pelo menos, não eram a norma. Agora juntemos-lhes estes nomes: Filipa Fonseca Silva, Gabriela Relvas, Helena Magalhães, Madalena Sá Fernandes, Mafalda Santos, Maria Isaac, M. G. Ferrey. Se ainda não os conhece, repita-os várias vezes. São mulheres, escritoras, portuguesas – e começam a conquistar, merecidamente, cada vez mais espaço no mundo da literatura.

Do romance à distopia, das histórias com detalhes biográficos à ficção científica, elas lutam por um lugar nas prateleiras, mas não entre si. Há um sentimento de união que faz com que conheçam e torçam cada vez mais pelo trabalho umas das outras. Também para isso nasceu recentemente o Clube das Mulheres Escritoras.

“Criámos um grupo no WhatsApp, fomos acrescentando autoras, uma leva a outra”, explica Filipa Fonseca Silva, que acaba de editar E se eu morrer amanhã?, um romance cheio de sentido de humor com uma protagonista de 79 anos muito ativa sexualmente.

“Queremos ter uma newsletter mensal, falar de lançamentos, partilhar entrevistas e podcasts. É a oportunidade de nos darmos a conhecer e puxarmos umas pelas outras.”

Nem sempre foi assim – nem na literatura, nem na vida, em geral. “Como é que as mulheres haviam de ser amigas antigamente se disputavam tudo? A mulher lutava para ficar com o melhor homem”, lembra Helena Magalhães. O seu novo livro, A devastação, prepara-se para chegar às livrarias, a 12 de junho.

Já não é cada uma por si. Não é por uma autora vender mais livros que a outra deixa de ter espaço – o catálogo do Penguin Random House Grupo Editorial faz continuamente uma aposta nesse sentido, com 55% dos títulos editados em 2022 e 2023 assinados por mulheres.

“Etá a haver esse esforço por parte das editoras. Agora precisamos de mais destaque em livrarias, feiras, eventos, e que nos paguem para isso”, refere M.G. Ferrey, autora bestseller no género Jovem Adulto graças à saga Aquorea.

Essa é uma das barreiras que continua a ser difícil de ultrapassar. “Quando nos convidam para ir a algum lado, assumem que vamos gratuitamente. Apesar de estarem a dar visibilidade ao que escrevemos, isso não deixa de ser um trabalho, implica deslocações, preparação, tempo”, diz Filipa Fonseca Silva.

Pode ainda existir muito caminho para percorrer. Mas, é para isso que estes sete nomes (entre outros tantos que vão ganhando visibilidade) aqui estão. Com uma escrita despretensiosa e dinâmica, dão força a uma nova vaga de escritoras portuguesas. Chegou a vez delas, está na hora de decorar estes nomes.

 

Filipa Fonseca Silva
Uma escrita sem tabus

As suas histórias têm “pessoas comuns que vivem dilemas universais”, é assim que Filipa Fonseca Silva gosta de descrever as narrativas que cria. Talvez seja por isso que tantos leitores se identificam tão facilmente com os livros – O elevador (Suma de Letras, 2022) tem um casal obrigado a decidir o rumo da relação quando fica preso durante uma noite. Foi um sucesso de vendas. “Escrevo sobre coisas que me inquietam.”

Inspira-se também em histórias reais que, por algum motivo, lhe chamam a atenção, como foi o caso da amiga de uma amiga, algures em França, com 80 anos, que deu origem à destemida e livre protagonista de E se eu morrer amanhã?. “Tenho de destacar o elogio que o escritor Miguel Real me fez recentemente no Jornal de Letras, afirmando que explorei uma vertente do feminismo nunca antes explorada, colocando-me ao lado das escritoras que ao longo da história defenderam a libertação das mulheres.”

No currículo, a autora tem mais cinco livros. “E ainda sou desconhecida”, lamenta. “Ou escreves sobre uma coisa literária e angustiante para entrar nos prémios ou, se escreves a história de amor de alguém que encontrou alguém e se apaixonou, já é um romance de cordel.”

 

Gabriela Relvas
Um cheirinho de autobiografia em todas as histórias

Atriz, apresentadora, escritora, Gabriela Relvas veste muitas capas. “Na vida estamos em permanente atuação, sobretudo se seduzidos pelo entusiasmo. Fascina-me o jogo da realidade x ficção.” É isso que se mistura em Gula de uma rapariga esquelética de amor (Suma de Letras, 2022), com uma protagonista feminina forte em busca de respostas no passado para poder seguir em frente.

Para a autora, escrever é um processo muito solitário e, por isso, é tão importante existir esta união. “Às vezes são coisas tão básicas como dizer ‘já não me apetece estar no mundo da literatura’. Só alguém dizer isso mostra que não estamos sozinhas. E alguém responde a seguir: não desistas, vá lá.’”

Como leitora, também se sente fascinada pela escrita de mulheres. “Espanto-me sempre que acabo de ler um livro de uma autora portuguesa, mas, por outro lado, muitas vezes digo: caramba, como é que ninguém ainda descobriu isto?”

 

Helena Magalhães
Uma escritora feroz, como nós

Helena Magalhães pode finalmente respirar. As personagens de A devastação (Suma de Letras) já não são dela, estarão nas mãos dos leitores a 12 de junho.

“Foi um livro muito difícil de escrever porque tive de ir a lugares mais negros dentro de mim, o que fazia com que escrevesse um capítulo em dois dias e depois estivesse um mês sem voltar a pegar nele porque não tinha energia física nem mental para isso.”

Raparigas como nós (sobre adolescência e memórias dessa época) e Ferozes (auto-ficção sobre feminismo) catapultaram o nome da escritora para o mercado e refletem as fases que a própria vivia. A devastação é muito diferente e chegará a um público mais alargado. “É uma crítica ao patriarcado português e fala sobre os danos que uma cultura misógina deixa, aqui, num leque de personagens femininas ao longo dos anos. Espero que no fim os leitores percebam que A devastação diz respeito a todas as mulheres e não apenas à protagonista.

A contar os dias estão os leitores de Helena Magalhães, que a conhecem das histórias e do Book Gang, um clube de leitura que criou para promover esse hábito e que, mensalmente, envia para os subscritores uma box com os livros imperdíveis do momento – escritos no feminino.

A autora sonha com uma realidade onde deixem de existir tantas diferenças entre homens e mulheres, obras literárias e ficção contemporânea. No entanto, admite: “Vejo as transformações em Portugal a acontecer todos os dias à minha volta e isso é desafiante e empolgante ao mesmo tempo”.

 

Madalena Sá Fernandes
Ao leme de uma nova carreira

Acabado de editar, Leme (Companhia das Letras) marca a estreia de Madalena Sá Fernandes nos livros. Definir-se como escritora ainda não lhe é natural. “Assim como com a maternidade estranhei, logo assim que tive uma filha, começar a definir-me como mãe, e que me tratassem no hospital imediatamente por mãe, também com o termo escritora me está a acontecer isso. Talvez, tal como assim que tem um filho, uma mulher se torna mãe, assim que se escreve um livro uma pessoa se torne escritora. Mas ainda estou no processo de me autointitular escritora, e só depois então começarei o de descobrir que tipo de escritora sou.”

Leme conta a história de uma relação tóxica de forma crua e despretensiosa. São esses alguns dos elogios que têm feito à autora, que também assina crónicas no jornal Público. Com o feedback que tem tido, Madalena Sá Fernandes descobriu algumas características que a deixam empolgada em relação ao futuro da literatura. “Os novos leitores são entusiastas e desempoeirados.”

 

Mafalda Santos
Do teatro para o outro lado

“É raro sentir-me representada como mulher na escrita de um homem. Geralmente têm dificuldade em descrever uma mulher complexa e profunda, há sempre qualquer coisa ali de caricatural. Não reagiria assim nunca. Nem eu, nem ninguém que eu conheço”, explica.

As protagonistas que cria são independentes, as descrições são cinematográficas – ou não viesse ela do mundo do teatro – e as narrativas têm sempre um universo surreal. Depois de Conta-me, escuridão, chegou Do outro lado (Suma de Letras, 2022). A história de um casal separado pelo multiverso podia facilmente ser transformada numa série de um streaming. Sobre a distopia – que tem um ponto de ligação com o próximo livro – previsto ainda este ano –, há uma reação que a desarma sempre. “Adoro quando um leitor incapaz de adjetivar o sentimento que ficou a ecoar no fim do livro se expressa, de olhos brilhantes, com um palavrão daqueles! Não há nada mais genuíno do que isso.”

 

Maria Isaac
Parar apenas quando se escreve “fim”

Começou a escrever na faculdade e, na altura, o objetivo era só um. “Fosse o que fosse, não importava. Só queria escrever uma coisa do início ao fim.” Sem saber ainda, tinha nas mãos uma primeira versão de Onde cantam os grilos, o primeiro romance que editou. “Não achei que estivesse bom, mas continuei. Só passados dez anos, depois de já ter escrito dois livros de fantasia, é que voltei a pegar nele.”

Já este ano chegou às livrarias Quantos ventos na terra (Suma de Letras), passado numa vila onde os segredos antigos começam a ser descobertos por um grupo de miúdos demasiado curiosos e dos quais toda a gente desconfia.

Finalista do Prémio Fundação Eça de Queiroz, Maria Isaac conduz um podcast (Palavra) onde divulga o trabalho de colegas escritoras. Ainda assim, não há confusões para os seus leitores. “Dizem que escrevo de uma forma que faz com que reconheçam logo que um texto é meu.”

 

M. G. Ferrey
Um fenómeno para Jovens Adultos

De um passeio na praia com a mãe nasceu uma ideia. Pequenina, frágil, foi ganhando força com os sonhos e a imaginação que há muito borbulhavam na cabeça desta psicóloga clínica. Com Aquorea – Inspira (Suma de Letras, 2021) nasceu uma escritora, M.G. Ferrey, e um fenómeno que explodiu depois de os elogios começarem a espalhar-se nas redes sociais. Esta história de amor passada num mundo subaquático tem cativado o mercado de Jovens Adultos, mas não deixa de ser um tema universal.

“Escrevi a história que queria escrever, mas quis que fosse uma história que encorajasse os jovens a lerem e, ao mesmo tempo, oferecesse aos adultos uma oportunidade de mergulharem numa aventura única.”

O fenómeno tornou-se real na primeira passagem pela Feira do Livro de Lisboa, em 2021. “Aparecerem centenas de pessoas para me conhecer. Um momento incrível que jamais esquecerei.” E depois na segunda, em 2022, quando esteve quatro horas a autografar livros. Os fãs mais entusiastas podem ir preparando os mergulhos: Aquorea ganha um novo volume nos próximos meses.

 

Foto: Marisa Cardoso
Roupa: Coolet
Espaço: Palácio do Grilo

Partilhar:
Outros artigos: