Livros nas Férias, o que não é exatamente o mesmo que Livros de Férias

A questão é que, por aqui, nunca pomos os livros de férias. São matéria e inspiração que nos acompanha durante todo o ano, quer estejamos a trabalhar, quer estejamos a descansar. Uma coisa é certa: sem livros, não passamos. E por isso, nesta época de pausa para respirar, de frente para o mar ou de mala à ilharga a caminho de um destino mais ou menos longínquo, aproveitamos para sugerir títulos de toda a maneira e feitio, montes deles. Títulos e livros que nos podem ajudar a contar lugares de destino, ou que, simplesmente, nos podem sugerir notas, pistas, caminhos por explorar, sobretudo nestes momentos em que temos mais disponibilidade para chegar ao Outro. Os livros que vamos sugerir têm essa ambição, ajudar a chegar a outros lugares e atmosferas, mesmo que isso aconteça de forma mais indireta. Uma coisa é certa – não vamos sugerir guias turísticos, mas sim atmosferas, piscares de olho, experiências em forma de página.

Apertem os cintos, caros leitores. E abram os olhos.

 

Europa

Se planeia passar parte das suas férias à mão de semear, como por exemplo na vizinha Espanha – terra de grandes autores, monumentos e movida – temos até dificuldade em escolher; ou melhor, em sugerir. Mas decidimo-nos por Berta Isla, de Javier Marías, para temperar a fiesta de Madrid com um conhecimento profundo da vida interior das suas personagens. Se for mais da fação Barcelona, eterna rival da capital, pedimos ajuda a Ildefonso Falcones e ao seu O Pintor de Almas, forma de conhecer a cidade catalã em profunda transformação na primeira metade do século XX (bem como as suas gentes), processo que viria a transformá-la numa urbe modernista, inspiradora e cenário de grandes histórias.

Mas se viajamos pela Europa, claro, teremos sempre Paris. Misto de mistério por resolver, memória forte e história de família, O Segredo da Livraria de Paris, de Lily Graham, adota um cenário que nos diz muito (claro) para nos fazer viajar no tempo e no espaço da cidade luz. Claro, se o seu espírito em viagem for menos bilhete-postal e mais gosto pelas margens, só podemos recomendar os dois volumes de Vernon Subutex, livros nos quais Virginie Despentes dá a conhecer o lado B da capital francesa. O lado mais punk.

No caso de querer atravessar o Canal, e dar uso ao passaporte, há muito por onde escolher e ler. Dê um saltinho a Londres e entre teatros, parques e museus, devore umas páginas de A Última Livraria de Londres (lá estamos nós), de Madeline Martin, volume no qual o conforto dos livros ajuda a tolerar a atmosfera de uma cidade acossada pela guerra. E se a diversidade estonteante da capital britânica for a sua praia, e é sem dúvida um dos tesouros da cidade, não podemos deixar de recomendar Rapariga, Mulher, Outra, de Bernardine Evaristo, um autêntico hino às identidades e às várias formas de viver o mundo.

Voltamos a atravessar o canal (da Mancha) para aterrar no Grande Canal (de Veneza). Desta vez, sem nos preocuparmos com fotografias no meio da multidão que invade a Praça de São Marcos. Isto porque a companhia que recomendamos é muito anterior a pixels ou até películas: falamos de Otelo, de William Shakespeare, diretamente saída da coleção Penguin Clássicos para as mãos do viajante mais dramático. E apaixonado pelas desditas do Mouro na cidade Sereníssima. Se prefere acompanhar as férias com respiração acelerada, não saímos de Itália e levamo-lo ali mais a norte de Veneza, no vale de Résia, para lhe dar conta dos afazeres da inspetora Teresa Battaglia em Pintado a Sangue. Está (quase) tudo no título.

Se os seus planos passam pela Europa Central, temos sugestões sem conto: d’A Marcha de Radetzky, do incontornável Joseph Roth, forma de conhecer a Áustria dos Habsburgos, à Crónica de Travnik, do Nobel Ivo Andric, na qual a capital bósnia do Império Otomano é a grande protagonista, passando pela Budapeste de Chico Buarque – um olhar profundamente original sobre um território, o da língua – não nos faltam sugestões. Claro, pode sempre optar pela Metamorfose, do checo Franz Kakfa, mas não espere encontrar a paisagem da Ponte Carlos, entre outras maravilhas da cidade boémia.

Rumando mais a norte, temos a sedutora Estocolmo prostrada aos pés da imaginação sombria de Camilla Läckberg em A Caixa, a estranha e incomparável Islândia contada em tons épicos pelo Nobel de Literatura Haldór Laxness em Gente Independente, e uma Noruega de há décadas, muito diferente daquela a que nos habituámos a conhecer, em Fome, do também Nobel Knut Hamsun.

 

Fora da Europa

Fora da pequena, mas muito diversa, Europa, há todo um mundo por desbravar (perdoem-nos o óbvio ululante). Para compor a lista de sugestões, sugerimos uma ida a Marrocos – já aqui ao lado – na companhia do tocante O País dos Outros, de Leïla Slimani, uma passagem sobre o Atlântico até Nova Iorque, na qual assentará muito bem um passeio em Manhattan na companhia da desconcertada Mrs March, de Virginia Feito ou um saltinho a uma Havana tão tropical quanto política e contraditória, contada por Chanel Cleeton em Quando Deixámos Cuba. Já se morre de amores pelo Brasil, atreva-se a conhecer o Rio de Janeiro pouco ou nada turístico de Geovani Martins em Via Ápia, ou a luxuriante Amazónia contada por Ferreira de Castro no clássico A Selva. Do continente americano damos um pulo até ao Japão de Cinquenta Palavras Para Chuva, exercício de inquietação e de luta por uma identidade na ressaca do maior dos conflitos. E se viajarmos até ao subcontinente indiano, sem um país específico onde carimbar o passaporte, encontramos o extraordinário Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, de Afonso Cruz, demonstração de que a literatura é mesmo a melhor forma de conhecermos o Outro.

 

Viajar para fora do mapa

Em jeito de conclusão, deixamos três sugestões para três formas muito distintas de viajar: Os Prémios, de Julio Cortázar, se sempre sonhou em fazer um cruzeiro (e daí…), Bem-vinda a Casa, de Lucia Berlin, se preferir viajar nas palavras dos outros – ficando a conhecer o percurso extraordinário desta escritora natural do Alasca – e, para rematar, sugerimos que viaje com Mark Twain até ao mítico Éden, fazendo-se acompanhar d’Os Diários de Adão e Eva. Já sabe, em férias pode permitir-se algumas extravagâncias. Menos trincar a maçã. Boa viagem!

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